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Dados que contam histórias

Dados que contam histórias

(#32) Banana, chuva, flauta

por Guilherme Fonseca, em 06.04.16

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R:

Pior do que casca de banana, meu filho, é o que lhe digo.     

Mas sente-se bem?

Só dorido. Os ossos já não são tão fortes como quando tinha a sua idade, sabe?

Oh, não diga isso. O rapaz nunca sabia o que dizer quando os mais velhos o atingiam com a sua juventude.

Digo sim! E só me apetece dizer asneiras! Mandar esses malcriados todos ter um filho pela barriga das pernas. Queria ver a casa deles, se é esta sujeira.

O rapaz olhou-o com alguma pena nos olhos.

Quer que chame alguém?

Não, meu filho. Quero que me ajude a chegar ali àquele músico, no outro lado da estrada. Gosto muito de o ouvir tocar flauta. Era, aliás, o que ia fazer antes de escorregar naquele pedaço de cartão empapado pela chuva.

 
∞∞∞
 
G:

O cu. Não havia outra maneira de chamar ao que lhe doía. Exatamente como acontece nos desenhos animados quando alguém escorregava numa casca de banana, tinha escorregado. Mas sem casca, só a dor no cu.

A chuva estraga tudo. A cidade fica escura e os carros param todos. De tal maneira que tinha optado por correr até ao concerto ao invés de conduzir. É verdade que a pé escorregava, mas de carro ainda estaria parado no mesmo sítio. Ajeitou a roupa, agora mais molhada, e correu. Correu, correu, correu até à Opera de Madrid. Pensou nas centenas de pessoas sentadas na plateia, prontas para o ouvir tocar. Pensou no chefe de orquestra a olhar para si com ar de mau por causa do atraso. E correu, correu, correu. Mas chegou.

Respirou fundo, abriu a porta e sacudiu a chuva do cabelo. A 10 minutos de começar chegou ao seu lugar na orquestra. Pôs a mão ao bolso para tirar a flauta mas nada. Não estava lá. Se tivesse de adivinhar, quase de certeza que estava onde lhe tinha começado a doer o cu.

(#21) Bang, lobo, banana

por Rita da Nova, em 20.02.16

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G:

És um banana, pensou.

Todos os teus amigos vão às aldeias aterrorizar os homens e comer as galinhas e tu nada. Ficas a uivar nas saias da mãe, como todos dizem. És um mariquinhas, um cobarde, que tem peninha dos humanos, que acha que todos os bichos, todos os animais merecem paz. Balelas. Devias ser como os outros e não andavas sempre sozinho. O lobo solitário é uma péssima fama.

Era isso, ia à aldeia, mordia uma galinha e fugia. Mostrava-a a todos e iriam aceitá-lo no grupo. Lobo sem alcateia não é lobo. Foi então que o fez. Nessa noite, dirigiu-se ao galinheiro dos humanos, pata ante pata. Aproximou-se das galinhas e começou a escolher a mais velhinha e doente. Foi então que se tornou num lobo pioneiro, no primeiro da sua alcateia a ouvir aquele som. BANG. Somos todos bichos, até deixarmos de o ser.

 
∞∞∞
 
R:

Quando nos transformamos num lobo solitário, aprendemos a viver com pouco. Como se a companhia tivesse levado consigo tudo o que importa. Deixamos de fazer refeições: passar o dia apenas com uma torrada ou uma banana no estômago não nos deixa particularmente tristes.

A vida é o que é e, agora, deixou de ser alguma coisa com que valha a pena preocupar-me.

Deixa sequer de nos importar se nos batem à porta. Bang, bang, bang. Fingimos que não estamos. Sabemos que do outro lado não está ninguém que mereça o esforço de sairmos de nós mesmos.

(#3) Banana, livro, prato

por Rita da Nova, em 09.01.16

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G:

Outra vez discussão. Era assim todos os dias. A mãe dizia para ela comer e ela nada. Ficava agarrada aos livros. “Rita, come qualquer coisa. Assim ficas fraquinha” ao que a pequena e pespineta Rita dizia “eu não tenho fome. Estou a comer do livro.”

Outro dia, outra discussão e a mãe já não sabia o que fazer. A Rita não comia, só lia, a mãe gritava, a porta batia, fim de história. Mas naquele dia a mãe teve uma ideia. Não disse à Rita “anda comer” como nos outros todos. Perguntou-lhe “o que vais jantar?”. A pequena Rita, sem tirar os olhos do livro, disse apenas “banana, mamã”. A mãe aproximou-se e perguntou “ai, sim? De onde, da Madeira?” A Rita abriu um pouco mais as páginas do livro, trazendo a sua mãe para a história, e respondeu “Não. Bananas da terra do Jaime, o macaco saltitão”.

E assim ficaram as duas. Agarradas ao livro, a jantar da história.

 

∞∞∞

 

R:

És um banana, pensou, um grandessíssimo banana. Mulheres como ela não passam cartão a tipos como tu. Aceitou jantar por cortesia e entretanto deve ter tido qualquer coisa melhor para fazer. Pensa lá: tu também não irias preferir passar o serão a dobrar meias ou a fazer crochet, se te convidassem a jantar contigo?

Levantou-se enquanto engendrava uma desculpa para servir aos empregados do restaurante. Ela ficou retida no trabalho, está trânsito, está indisposta. Sentiu uma mão tocar-lhe nas costas: ela tinha vindo e, incrivelmente, tinha trazido um sorriso.

Um sorriso e não só: antes de se sentar estendeu-lhe um livro.

Desculpa o atraso, mas vi isto na montra de uma livraria e não resisti.

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