(#12) Peça de xadrez, mancha, pasta
António olhou a pasta castanha pousada à porta de casa. Sabia que se a abrisse iria encontrar cadernos, material de escrita, folhas soltas e uma agenda; mas não vontade. Essa tinha desaparecido sabe-se lá para onde.
Deitou um último olhar à sala. Podia passar o dia inteiro a jogar xadrez consigo mesmo. Sempre seria mais interessante do que ir para aquele sítio, fazer aquelas tarefas, ver aquelas pessoas. A mãe dir-lhe-ia que não manchasse a sua vida profissional, que tinha quarenta anos e que, se não atinasse, ninguém lhe pegava.
Que se lixe, pensou. Antes fazer xeque-mate à minha vida profissional do que passar os dias a ser peão de alguém.
É um raio de um lar. Um lar onde as pessoas vão para morrer. Onde há camas, roupas e histórias por lavar. Se é um lar porque raio tem regras de prisão? “Não pode entrar com X, não pode levar Y.” O seu pai tinha apenas um prazer na vida, se levasse uma peça por visita só precisava de 32 vezes a enfiá-las na pasta de trabalho sem que nenhum enfermeiro as visse. Depois, se o seu pai nunca precisasse que lhe mudassem os lençóis, não levantavam o colchão e estavam descansados.
O tabuleiro foi o mais difícil. Levou-o enfiado nas calças e disse que tinha uma dor de costas. A enfermeira mestre ainda lhe pôs as mãos nos ombros para o massajar mas ele fugiu, ouvindo gritos de “você é mesmo como o seu pai, não se lhe pode mexer em nada!”. Ele sabia o que o pai queria. E conseguiu. Não é que as últimas palavras dele foram “xeque-mate”?